A armadilha da simplificação simbólica: por que o caminho fácil pode custar sua diferenciação?
Quando criamos uma marca, uma das nossas principais responsabilidades como estrategistas, falando especificamente do nosso processo, é criar uma rede de associações positivas através de uma estratégia sensorial.
Essa rede não nasce da simplicidade. Ela se constrói a partir de uma narrativa simbólica complexa, que conecta produto, público e cultura de forma profunda. Como diz a doutora em semiótica Clotilde Perez:
“Um produto sem marca é apenas uma coisa.”
O branding é o que transforma essa “coisa” em um objeto de desejo, em algo que expressa sentido, valores, histórias e pertencimento.
O nível de complexidade dessa carga simbólica pode variar de acordo com a profundidade da pesquisa de público, produto e principalmente do estado de consciência do mercado em relação à oferta.
Todo o processo de representação, ou seja, de comunicação de marca, é feito através da expressão dos signos que já estão presentes no cotidiano do público de interesse dessa marca. Essa estratégia de comunicação é o que torna uma marca mais ou menos desejada.
Se não existe identificação, não existe conexão, e logo não existe venda!
Simplificar: clareza ou perda de identidade?
Com a pressão dos algoritmos, a velocidade da globalização e a abertura dos mercados internacionais, muitas marcas têm optado pela simplificação simbólica: ícones genéricos, logotipos minimalistas ao extremo, narrativas cada vez mais rasas.
O que cria uma dissonância entre o objetivo e o resultado, pois segundo o comunicólogo Jeff Lira:
“A simplificação da identidade da marca não torna ela mais compreensível. Torna ela mais genérica!”
A marca, em uma concepção simbólica, atua como um sistema representativo, que se apropria de significados, símbolos e signos sociais estabelecidos pela cultura para atribuir valor a produtos. Por isso que toda vez que uma marca escolhe simplificar sua expressão, como o objetivo de torná-la palatável ao maior número de consumidores, ela não está facilitando o processo de decodificação do seu valor, mas sim tornando-se genérica.
Desde o surgimento das marcas, elas possuem uma função comercial básica que é a diferenciação. Inserimos marcas em produtos com o objetivo de criar distinção entre produtos da mesma categoria, e a partir dos processos de produção, embalagem e desenvolvimento, criamos camadas de percepção de qualidade, status etc.
Confundir minimalismo [a busca pela essência] com simplicismo [exclusão de camadas de significado] se tornou uma armadilha comum. Quando se adere à simplificação simbólica para tornar a marca “fácil de ler”, o que realmente acontece é a perda da capacidade de criar uma mitologia.
O papel da marca: criar sentido
Segundo o doutor em comunicação, Marcos Hiller, a construção de marca segue um roteiro que tem como objetivo encontrar o que torna alguém obcecado por um “produto”, encapsular esse aspecto com uma marca e posicioná-la no mercado.
Esse aspecto fundamental, que podemos chamar de atributo-chave, é justamente o significado que nos apropriamos na construção e atribuímos as marcas no processo de criação.
Para a criação de uma marca icônica é necessário traduzir a cultura de um público ao ponto de criar ramificações simbólicas para posicionar o produto no cotidiano.
Quando criamos uma narrativa, recheada de simbolismo, estamos enriquecendo toda a mitologia que a cerca.
Afinal, como Stuart Hall afirma:
“Damos sentido às coisas pela maneira que as utilizamos.”
Veja dois exemplos claros:
- A Coca-Cola se tornou muito mais do que uma bebida — ela virou um símbolo de celebração e união familiar.
- A Dove não vende apenas limpeza — ela transformou o banho em uma experiência de cuidado.
Essas marcas não vendem produtos. Elas vendem significados, narrativas, estilos de vida. Assumindo a função social de serem ferramentas de expressão de sentidos não manifestos.
A pergunta que fica:
Se sua marca aderir à simplificação simbólica hoje, o que vai restar dela daqui a 5, 10, 20 anos?
Marcas que desejam resistir ao tempo precisam ir além da inovação dos produtos. Elas precisam desenvolver a capacidade de contar histórias que fazem sentido para as pessoas.