Semiótica do trambiqueiro e a ilusão do prestígio
É comum encontrarmos “especialistas” espalhados pela internet vendendo fórmulas para o sucesso – muitas delas diretamente associadas à imagem. Dizem que a forma como nos vestimos, os ambientes que frequentamos e até os acessórios que usamos são determinantes para construir autoridade e credibilidade.
Seria ingênuo negar que a aparência influencia a leitura social ou que aspectos visuais interferem na forma como categorizamos produtos, serviços e até pessoas. Inclusive, atualmente estou realizando uma pesquisa cujo objetivo é compreender, de forma profunda, a relacionar entre consumo e representação.
No entanto, a pergunta essencial aqui é: existe apenas um modelo válido de comunicar valor e qualidade?
O que observo, recorrentemente, é que essas narrativas seguem um mesmo roteiro simbólico. Os conteúdos que pregam a “imagem do sucesso” invariavelmente recorrem a signos já estabelecidos dentro da cultura ocidentalizada e na maioria das vezes colonizadora. Resumem referências de status e sofisticação de forma elitizada, heteronormativa e masculinista.
• O corpo idealizado: geralmente branco, de cabelos lisos ou extremamente alinhados;
• O vestuário padronizado: blazer, roupas sociais e cortes “masculinos”;
• Simplificação dos sentidos: ambientes clean, “sofisticados” e minimalistas.
São códigos sociais reconhecíveis, porém de arquétipos de poder ultrapassados que reforçam um imaginário lateralizado. Será que é apenas por meio dessa simbologia branca e heteronormativa que conseguimos comunicar competência, talento e valor?
Vi o termo “semiótica do trambiqueiro” no twitter do Lucas França, um conceito que resume perfeitamente essa estratégia de construção vazia de sentido. Na prática, o que vemos são tentativas de atribuir significado – prestígio, qualidade, exclusividade – a algo que, muitas vezes, não se sustenta na realidade – tem certas xícaras por aí que contam bem essa história.
O significado precisa ir além da estética
A semiótica nos ensina que os elementos visuais não são apenas ornamentos, mas sim dispositivos que carregam sentido. No entanto, para que um signo tenha força, ele precisa estar amparado por um contexto autêntico.
Quando um profissional ou uma marca adota um repertório estético baseado apenas na reprodução de signos de poder, mas sem uma estrutura sólida que o sustente, a comunicação se torna um simulacro. No instante em que o público interage com essa marca ou serviço e percebe que a experiência real não corresponde à imagem projetada, a ilusão desmorona. A promessa estética não encontra lastro na entrega.
E é exatamente aqui que a diferença entre estratégia e engano se manifesta. A estética pode sugerir que algo é “premium”, mas se o atendimento, o produto e a experiência não sustentam essa percepção, temos apenas um exercício de manipulação simbólica – a tal semiótica do trambiqueiro.
A Semiótica como estratégia da verdade
Na minha trajetória como estrategista de marca, a semiótica não é utilizada como um atalho para criar falsas percepções, mas sim como uma ferramenta de alinhamento entre essência e comunicação. A verdadeira estratégia de branding não se baseia apenas na escolha das “cenas certas” para gerar impacto visual, mas sim na construção de um significado genuíno e duradouro.
Ao compreender os signos, os códigos culturais e as narrativas que moldam as percepções do público, podemos construir uma comunicação que seja coerente com a identidade da marca. Mais do que um visual sofisticado, a estratégia deve garantir que cada ponto de contato com a audiência reforce os valores reais da empresa.
Em um mundo saturado de simulacros, autenticidade é o verdadeiro diferencial.