Tendência x Insight cultural: um problema de naming
A escolha de nomes e termos não é meramente uma questão semântica, mas um reflexo profundo de como percebemos e interagimos com o mundo ao nosso redor.
“Em parte, damos sentido às coisas pelo modo como as utilizamos ou as integramos em nossas práticas cotidianas” – Stuart Hall [Cultura e Representação, P. 21]
Mas nem sempre se possui uma compreensão integral sobre aquilo que estamos nomeando. Em um primeiro momento, batizamos uma observação de mudança ou comportamento coletivo como “tendência”, muito baseado no significado de outra palavra, no caso, a predisposição.
E mesmo que o termo “tendência” seja frequentemente utilizado, não significa que ele seja o mais apropriado ao sentido que desejamos expressar ao usar esse termo como indicativo de mudança. Sozinho, não é capaz de expressar o sentido desejado e aqui começamos a nos questionar, não com o objetivo de resolver, mas sim de refletir sobre um problema de naming.
O que é nomear?
Nomear é a capacidade humana de atribuir a objetos, conceitos ou fenômenos uma designação específica, composta por sons e símbolos que os representam.
Essa ação vai além de uma simples identificação; ela confere significado e contexto, permitindo que indivíduos compartilhem e compreendam experiências coletivamente.
Ou seja, para “algo” receber um nome, de fato, precisa-se da cultura, um consenso coletivo, que aquele “som” se refere a determinada “coisa”. Aqui encontramos o primeiro aspecto de conexão entre nomes e cultura.
Segundo o comunicólogo, Jeff Lira, “Por meio da nomeação, estruturamos nossa realidade e facilitamos a comunicação dentro de uma sociedade.”
Nomes são mais do que apenas substantivos, ou indicativos de determinação verbal. Eles estabelecem uma ligação entre o sentido e a prática. E na maioria das vezes, o sentido existe anteriormente ao nome, e o ato de nomear é apenas um ritual de materialização.
Quantos animais recebem nomes próprios a partir de aspectos comparativos?
Ex: Um gato laranja que se chamando Garfield.
O sentido existe antes do nome e essa designação verbal se torna apenas a representação do paralelo já existente entre os dois “objetos”!
E assim é com tudo que batizamos. Através da expressão de sons, já estabelecidos socialmente, por um pacto cultural, conferimos sentido ao nomear.
Então, por que chamamos tendência de tendência?
No contexto contemporâneo, refere-se a padrões ou direções emergentes no comportamento, moda, tecnologia ou outras áreas [ou seja, na cultura]. Identificar algo como tendência implica reconhecer que uma mudança ou movimento está ganhando força e pode influenciar significativamente determinado setor ou grupo social [novamente, a cultura].
As tendências refletem o espírito do tempo, capturando mudanças nas preferências e comportamentos coletivos.
Sem questionamento, não existe tendência. Sem tensão social, não existe tendência. Sem cultura não existe tendência!
Tá, o que é cultura?
Cultura engloba o conjunto de valores, crenças, costumes, práticas e artefatos que caracterizam um grupo ou sociedade.
Ela molda a identidade coletiva e influencia a maneira como os indivíduos percebem e interagem com o mundo. A cultura não é estática; evolui com o tempo, adaptando-se a novas influências e circunstâncias, refletindo a dinâmica das relações humanas e sociais.
Não se é possível definir cultura com palavras, esse é um conceito híbrido que se estica de diversas formas, sendo impossível resumi-lo sem algumas horas disponíveis para uma conversa.
Mas, o autor que mencionamos no início do texto, Stuart Hall, fez uma tentativa de definição que é bastante útil, “basicamente, cultura diz a respeito da produção e intercâmbio de sentidos – o compartilhamento de significados – entre membros de um grupo ou sociedade. Afirmar que dois indivíduos pertencem a mesma cultura equivale a dizer que eles interpretam o mundo […] a partir do mesmo mapa de significados.”
Em resumo, podemos dizer que cultura é um agrupamento de sentidos e significados compartilhados de forma coletiva.
Resolvendo o problema de naming
Se o termo tendência não dá conta, sozinho, de explicitar que uma observação de provável mudança no tecido cultural está emergindo, que termo daria?
Insight cultural, um conceito básico que se refere à compreensão profunda dos significados, símbolos e práticas dentro de um contexto cultural específico.
Transformando em uma habilidade, seria o mesmo que dizer que alguém é capaz de perceber nuances e significados implícitos que podem não ser imediatamente aparentes.
No universo das marcas, marketing e negócios, a utilização do termo pode propiciar uma compreensão universalizada de que alguma mudança na cultura foi observada e que essa observação pode ser útil para algum determinado objetivo.
E através disso, teremos a possibilidade de navegar na cultura e criar estratégias que conectem autenticamente marcas e público.
E qual seria a diferença prática entre tendência e insight cultural?
O insight cultural é uma compreensão profunda dos sentidos e práticas dentro de um contexto cultural específico. As tendências deveriam ser nomeadas a partir de insights culturais, como um indicativo de provável caminho prático.
Compreender essa distinção é crucial para criar narrativas simbólicas para marca que buscam relevância e autenticidade.
Por que as marcas precisam navegar pela cultura para continuar relevantes?
Marcas, enquanto entidades abstratas de significado atribuído, não pensam, falam ou possuem cultura própria. Elas apenas se apropriam da cultura para se estabelecer na rotina, através do consumo, com objetivos comerciais.
Sem a cultura e a subjetividade de utilização além da funcionalidade prática, a incorporação de determinada marca no meio social se torna inviável.
Enfrentar o desafio de um mercado contemporâneo, sem olhar para a cultura e se apropriar dela, em tempo real, é como descobrir um diagnóstico terminal.
Para alcançar relevância, é essencial que as marcas se conectem com momentos importantes, eventos, ocasiões ou pautas em discussão na sociedade. Ao fazer parte do que está acontecendo na sociedade, as marcas geram relevância e, consequentemente, beneficiam-se dentro das prioridades dos consumidores.
Essa conexão cultural fortalece a confiança e a lealdade do consumidor, elementos fundamentais para o sucesso contínuo de qualquer marca.
Compreender a diferença de “tendência” para “insight cultural” é vital para profissionais de comunicação e branding serem capazes de continuar criando estratégias que perduram no tempo.
Navegar pela cultura com sensibilidade e entendimento profundo permite que as marcas permaneçam relevantes, autênticas e ressoantes em um mundo em constante mudança.