Esse texto, é uma observação do comunicólogo e especialista em branding Jeff Lyra. Foi será escrito em primeira pessoa, justamente por ser uma reflexão minha, que faz uma conexão entre o espírito do nosso tempo, a teoria da comunicação e o livro A Crise da Narração. Peço licença a Expans.ing, e daqui em diante a marca dá lugar a pessoa.
Vamos aos tópicos do texto:
Tenha ótimos insights com a leitura!

Dando contexto
A primeira coisa que precisamos ter em mente é que saímos do que eu chamo de era do “o que é?” para a era do “o que eu faço com isso?”.
No primeiro momento, estávamos, enquanto coletivo, preocupados com o que eram as coisas, literalmente. E com a evolução e popularização da tecnologia, todos passaram a possuir um smartphone na mão, capaz de acessar uma infinidade de informações.
Com poucos cliques no Google, você tem à sua disposição uma longa curadoria de informações e definições para qualquer coisa.
E como produto dessa era tivemos o auge das vídeo aulas no YouTube, blogs para todos os lados e uma coisa chamada Yahoo Respostas.
Levamos algum tempo, mas “todos” compreendemos que qualquer resposta poderia ser alcançada com 10 minutos de navegação. E foi assim que quebramos o paradigma da comunicação unilateral. Não dependíamos mais dos meios tradicionais e manuais para responder ao “o que é…?”.
Hoje vivemos uma evolução desse período, um momento na história único, onde temos acesso a mais informações que somos capazes de processar. Uma era de excessos, que tem como consequência diversas síndromes como a FOMO, ansiedade entre outras.
Com a facilidade de obter resposta para “tudo”, aos poucos fomos nos tornando dependentes dessa tecnologia, desaprendendo, e reduzindo nosso tempo de desenvolvimento de habilidades, que antes eram naturais, principalmente para nós brasileiros.
E esse foi o marco do início da era do “o que faço com isso?”. Já que temos acesso a qualquer informação no mundo, o problema muda de cenário. Quando se tem um excesso de informações e se é incapaz de processá-la, ela deixa de ser uma informação e passa a ser apenas um dado.
Assumindo um aspecto vazio e sem a capacidade de gerar conexões e conhecimento.
Vou dar um exemplo que vai ficar mais fácil a compreensão. Como estamos em um ambiente muito relacionado a gestão de marcas e negócios, vou partir desse princípio:
Se você começou uma empresa, você sabe o que é o conceito de concorrente. Mas isso não significa que você sabe o que fazer com essa informação. Como utilizar isso como conhecimento para usar de forma prática no dia a dia.
Outro exemplo:
Se você abriu uma empresa nos últimos 4 anos, você sabe o que é branding. Mas, isso não significa que você sabe o que fazer com esse conceito essencial para a sobrevivência das marcas a longo prazo.
Só ter o dado ou a informação deixou de ser o diferencial, é necessário saber como, onde e quando usar.
Não buscamos mais apenas saber o que é, mas o que fazer com isso. Segundo o filósofo Byung Han “Estamos hoje, portanto, muito bem informados, mas desorientados”.
O papel da comunicação deixou de ser apenas uma troca de informações, e passou a ser orientar e conectar.
Fenômeno das Fake News
A mentira existe desde o começo da civilização. E seu uso político também não é novidade dos nossos tempos.
A diferença está na mudança contextual e de paradigma na comunicação trazido pela escalada e difusão das redes sociais. Segundo Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, “fake news é a falsificação da forma notícia. Parece ser uma notícia jornalística, mas não é”.
A diferença está no uso estratégico da coisa. É o famoso: parece, mas não é.
Utilizar códigos sensoriais, signos e representações, para passar credibilidade em uma informação falsa é o que difere uma desinformação de uma fake news.
A fake news é sempre intencional, ela necessita de um esforço estratégico para se manifestar como um fenômeno social dos nossos tempos.
Pós-verdade
Como produto da era do “o que é”, do excesso de informação e do fenômeno cultural fake news, temos a inauguração da era da pós-verdade, uma espécie de neosurrealismo sombrio.
Mal-acostumados com a disponibilidade imediata de informações, esquecemos de um fator essencial para a sobrevivência na era da informação: a checagem.
Vivemos, hoje, um tempo esquisito, onde a verdade não é mais pautada no fato concreto.
Mas em quem fala, como fala, quando fala e onde fala. Parafraseando o professor Eugênio Bucci, a fake news surge justamente como produto da manipulação intencional da verdade, e isso só se torna possível pela perda da checagem da veracidade da informação.
Segundo a Academia Brasileira de Letras, pós-verdade por definição é “Informação ou asserção que distorce deliberadamente a verdade, ou algo real, caracterizada pelo forte apelo à emoção, e que, tomando como base crenças difundidas, em detrimento de fatos apurados, tende a ser aceita como verdadeira, influenciando a opinião pública e comportamentos sociais.”
A verdade não pode estar condicionada a uma representação contextual, ela é fato.
A crise da narração
Pego emprestado esse título do livro, do já citado aqui, Byung Han, para caminhar para última etapa dessa reflexão.
Para, enfim, compreender a comunicação nos nossos tempos, vamos utilizar um fato recente, mudança no PIX.
O atual governo federal, em mais uma de suas tentativas de gestão, tomou uma decisão simples, passar a monitorar movimentações via PIX, feita em instituições financeiras não tradicionais, a partir de um determinado valor.
Algo simples, inclusive, já é feito a mais de 10 anos, quando essas movimentações ocorrem em bancos tradicionais.
E por não compreender como a comunicação acontece em tempos de redes sociais, excesso de informação e crise da narração, o governo federal se viu perdido em uma grande crise causada por um erro na escolha de como comunicar. Por escolher comunicar na lógica do“o que é?” e esquecendo do “o que faço com isso?“.
Ao fazer essa escolha, se ignora o espírito do tempo, a cultura dominante e o paradigma vigente que rege a nossa comunicação.
Ao colocar a informação como autossuficiente se perde a garantia da eficácia da penetração da mensagem. Comunicação nunca foi sobre quem fala, mas sempre sobre quem ouve.
Nesse sentido, a narração e a narrativa se colocam como habilidades essenciais para combater a fake news e navegar na cultura de uma forma eficiente.
Ao construir uma mensagem a partir da lógica da narração, você inclui a informação em contexto. Dando importância a cada parte do processo de comunicação, buscando meios de inserção da mensagem em uma esteira de compreensão que facilita a interpretação.
Algumas pessoas, como no caso da mudança no PIX, podem não decodificar a mensagem. Mas, em uma narrativa, toda e qualquer informação se torna acessível. Nos tempos de excesso de informação, a narração é a habilidade que garante a compressão
A narração é uma habilidade ancestral que manteve e mantém viva histórias e mitos de diversos povos originários. Por que não aprender com eles?
Enquanto estivermos presos e cegos sob a ótica da informação, estamos apenas tentando apagar um incêndio que nunca tem fim. Para solucionar o paradigma da informação é preciso narrar, não apenas informar.
O livro: a crise da narração
Sinopse na Amazon: Em um mundo saturado de informações fragmentadas, o storytelling está em crise. Com uma análise aguda e perspicaz, Han examina como a sociedade contemporânea está perdendo a capacidade de criar e apreciar narrativas significativas. Explorando os impactos desse fenômeno na cultura, na política e na tecnologia, ele revela os desafios e as consequências da era pós-narrativa.