Tudo sempre foi sobre tempo: uma reflexão dos nossos tempos
Antes de seguir adiante, faço um convite: não veja este texto como uma proposta de solução, mas sim como um ponto de partida para uma reflexão coletiva. O tempo é um recurso finito, e sendo assim, algo que não podemos desperdiçar. Bem, isso foi o que disseram.
O tempo é uma métrica de controle. Desde que o ser humano foi capaz de medir, de forma sistematizada, nossa relação com o mundo mudou para sempre. O que antes era apenas um fluxo contínuo, tornou-se uma métrica de organização social.
Desde a revolução industrial, quando tornou-se hábito comum controlar a quantidade de horas de trabalho, passamos a dividir nosso dia em dois grandes blocos, um responsável a dar conta do trabalho e outro responsável por tarefas domésticas, relações afetivas e para alguns, mais privilegiados, hobbies.
O que antes fluía, tornou-se um recurso a ser gerenciado.
No início da contemporaneidade, percebemos que trabalhar e cuidar da família não bastava. Era necessário um terceiro bloco: o lazer. Mas não como descanso – lazer como sinônimo de prazer.
Assim, nossa relação com o tempo se transformou novamente, e uma nova habilidade foi incorporada ao repertório humano: o gerenciamento de tempo.
E desta forma o tempo se tornou uma moeda de troca. Compreender que o tempo pode ser gerenciado também nos levou a entender seu valor econômico. A famosa máxima “tempo é dinheiro” começou a fazer sentido. Afinal, esse recurso foi ficando escasso, e passou a ser comprado.
Você pode até não ter horas de vida o suficiente para se tornar um bilionário, mas pode comprar o tempo de outros para isso – principalmente daqueles que só têm isso a oferecer. E assim, o sistema capitalista consolidou que tudo é sobre tempo.
A partir daí, começaram as batalhas pela atenção. Redes sociais competem por mais tempo de tela, a publicidade busca novas formas de aumentar o tempo de exposição a propagandas e grandes corporações buscando estratégias para estender o tempo de seus contratos de serviço.
E mesmo com anos de experiência coletiva na administração desse recurso, parece que estamos cada vez mais sem tempo.
Chegamos então a uma questão determinante: como economizar? Ou melhor, como ganhar tempo?
E na busca por respostas para esses questionamentos criamos um desejo insaciável pela performance gerando a ilusão da otimização. Desde a ascensão das ferramentas para gestão de tarefas, não tínhamos uma reforma tão significativa na forma de gerenciar o tempo – até o acesso à Inteligência Artificial generativa.
A promessa foi sedutora: automação de tarefas manuais e operacionais para que você tenha mais tempo. Mas isso também foi dito na Revolução Industrial, e não foi bem assim. A ideia de que a tecnologia libertaria as pessoas de trabalhos exaustivos e permitiria mais espaço para a vida pessoal se provou ser apenas uma promessa.
O que se vê, na verdade, é um comportamento compulsivo por performance. Se antes uma tarefa levava X horas para ser realizada, agora, com um sistema “inteligente”, você precisa executá-la pela metade do tempo para encaixar outras duas nas horas que “sobram”.
A cobrança por produtividade atingiu níveis insustentáveis – refletindo diretamente na saúde mental dos trabalhadores. Em 2024, o Brasil registrou um recorde de afastamentos por doenças psicológicas relacionadas ao trabalho, segundo dados exclusivos do Ministério da Previdência Social.
Agora que entendemos que o problema do “tempo perdido” é, na verdade, um comportamento compulsivo, podemos avançar na discussão: no mundo físico, não dá para colocar a vida em 2x.
Os comportamentos digitais ficam restritos ao ambiente digital. Quando tentamos reproduzi-los na vida “real”, caímos em sofrimento. O desejo por mais tempo, cada vez mais latente, não é sobre descanso ou lazer – mas é sobre uma necessidade de performar enquanto os olhos estão abertos.
A grande questão é que, ao contrário da IA generativa, que pode operar 24 horas por dia, nós somos limitados. Quando tentamos competir com máquinas, não conseguimos acompanhar. Elas continuam operando; nós, colapsamos.
Uma sugestão [não uma solução]. Se você chegou até aqui esperando uma solução definitiva, lamento decepcionar. Mas posso deixar uma sugestão: reaprenda a perder tempo.
Jogar conversa fora, falar com estranhos na rua, fazer coisas que gosta sem um objetivo prático, simplesmente viver – isso, nos dias de hoje, é um ato de resistência.
Recuperar a visão do tempo como experiência, e não como métrica de produtividade, talvez seja o verdadeiro caminho para ganhá-lo de volta.
Esse artigo foi escrito pelo comunicólogo e especialista em branding, Jeff Lira, fundador e Dir. de Criação e Estratégia da Expans.ing para a Atena Haus.